quinta-feira, 30 de julho de 2020

O que é um Cristão? 6/12 Morte e Ressurreição de Cristo (completo)

Morte e Ressurreição de Cristo

Está escrito que "Bem-aventurados aqueles cujas maldades são perdoadas, e cujos pecados são cobertos. Bem-aventurado o homem a quem o Senhor não imputa o pecado" (Romanos 4:7-8); e aquele a quem Deus chama de bem-aventurado deve de fato ser bem-aventurado. E ainda assim há uma bênção ainda maior do que o fato de que Cristo morreu pelos meus pecados, a saber: que ele morreu por mim; para que não apenas meus pecados fossem jogados fora de uma vez para sempre (tão completamente jogados fora que Deus nunca mais se lembrará deles); - mas também que eu, como homem natural, filho de Adão, deixei de existir, quanto ao meu antigo estado¹ diante de Deus. Está escrito: "Já estou" (ou mais corretamente "eu fui²") "crucificado com Cristo; e vivo, não mais eu, mas Cristo vive em mim; e a vida que agora vivo na carne, vivo-a pela fé do Filho de Deus, o qual me amou, e se entregou a si mesmo por mim" (Gálatas 2:20). Assim, houve um fim para o homem natural Saulo, e foi Cristo quem representou o novo Paulo diante de Deus. O que era verdade no apóstolo Paulo é verdade para todo cristão verdadeiro diante de Deus, por mais mesquinho e débil que ele possa ser; pois não se trata de recompensa por um serviço fiel, mas sim o dom gratuito de Deus para todos os que vêm a Ele por meio de Jesus Cristo. O apóstolo Paulo pode ter entrado muito mais profundamente no significado dessa verdade do que eu ou você; mas, se somos cristãos verdadeiros, isso é tão verdadeiro para nós quanto para ele,pois está escrito: "Assim que, se alguém está em Cristo, nova criatura" (ou melhor, "criação") "é; as coisas velhas já passaram; eis que tudo se fez novo. E tudo isto provém de Deus" (II Coríntios 5:17-18).

¹Nota do tradutor: estado ou ser
²Nota do tradutor: "eu fui" ou "já estive"

E aqui é bom emitir uma nota de aviso. Não há nada mais comum do que ouvir muitos dizerem quando uma verdade é apresentada a eles: "Oh! Eu não sinto isso" e então, em razão da experiência deles, rejeitam a verdade. Fazer isso, porém, é muito iníquo, pois é praticamente estar nos colocando acima de Deus e é a própria essência do orgulho. A verdadeira humildade aceita como verdade tudo o que Deus diz e se alegra nas bênçãos: enquanto o orgulho e a incredulidade persistem, não é possível desfrutar das bênçãos porque Deus não está sendo crido. Esse é especialmente o caso da última passagem citada, pois a experiência dirá: "Oh! Não sinto que as coisas velhas já passaram, que tudo se fez novo e provém de Deus". A fé, pelo contrário, diz: "Eu sei que é verdade, porque creio em Deus". E o conhecimento das bênçãos assim recebidas pela fé não podem deixar de dar grande alegria. Aqueles que são ignorantes de Deus e Seus caminhos, estão sempre prontos para apregoar orgulho sempre que veem alguém aceitando com simplicidade as bênçãos que Deus assim livremente dá e se regozijando nelas; mas, na verdade, aqueles que aceitam são os humildes, e aqueles que se recusam a fazer assim, os orgulhosos. O segredo da recusa é, sem dúvida, o orgulho; pois a depravação total do homem natural não é aceita, e ainda se busca algo bom dentro de si; e, até que essa verdade seja aceita, nunca se poderá saber o que é estar "em Cristo" e não "em Adão", de forma alguma. Quando, no entanto, pela graça de Deus, uma alma é levada a aceitar a verdade, não apenas por ter cometido pecado, mas por ser tão corrupto, em sua natureza de Adão até o âmago, que ele não poderia ser melhorado (veja Romanos 8:7-8), e que a única coisa a ser feita a ele era, judicialmente, colocá-lo de lado totalmente pela cruz de Cristo e colocá-lo fora da vista de Deus; então, e não até então, ele será capaz de se alegrar com a bendita verdade de não estar mais em Adão, mas em Cristo. Assim, ele aprende que não apenas é perdoado e não condenado, mas também que mesmo aquele que cometeu os pecados deixou de existir judicialmente diante de Deus. Em Romanos 1:1 a 5:11, a questão dos pecados é abordada, e o completo perdão e justificação são trazidos à luz; de Romanos 5:12 a 8:39, um novo assunto é introduzido, não o dos pecados, mas do pecado, isto é, não são mais os pecados que cometi que estão em questão, mas a natureza corrupta que cometeu esses pecados. Pelos meus pecados há perdão; para a natureza corrupta não pode haver perdão, é, portanto, julgada e posta de lado por completo. O velho homem (isto é, a natureza corrupta de Adão) é crucificado e sepultado com Cristo (o batismo é o símbolo desse sepultamento), Romanos 6:3-6; e nós, os que cremos, que estávamos mortos em ofensas e pecados, somos agora vivos para Deus: "Porque a lei do Espírito de vida, em Cristo Jesus, me livrou da lei do pecado e da morte. Porquanto o que era impossível à lei, visto como estava enferma pela carne, Deus, enviando o seu Filho em semelhança da carne do pecado, pelo pecado condenou" [isto é, pôs de lado] "o pecado na carne" (Romanos 8:2-3); De modo que agora, nós que cremos em Cristo, temos o direito de considerar-nos mortos de fato para o pecado, mas vivos para Deus por meio de Jesus Cristo, nosso Senhor (Romanos 6:11). De fato, teremos que carregar a natureza corrupta conosco, mas temos o direito de considerá-la um cadáver; sabemos que Deus a deixou de lado; e não estamos mais sujeitos a ela, pois fomos libertados pelo Espírito de Deus para que possamos andar em novidade de vida.

Pode ser que o assunto deste capítulo possa parecer difícil para o leitor, e é verdade que muitos que conhecem o perdão dos pecados ignoram completamente essa verdade adicional e pensam que a última parte do sétimo capítulo de Romanos é uma expressão da experiência Cristã apropriada, em vez de ser a experiência de alguém em cativeiro e ainda não libertado; enquanto que no oitavo capítulo obtemos a experiência apropriada para o Cristão. Peço a você, meu leitor, que não fique satisfeito até que você tenha aprendido de Deus o significado de estar "em Cristo" e não "em Adão"; de ser libertado e não em cativeiro; de estar no Espírito e não na carne (Romanos 8:9); de ter morrido com Cristo e estar vivo em novidade de vida. Tudo isso é uma questão de importância indescritível, e até que entendamos seu significado, faremos pouco progresso na vida espiritual.

A dificuldade reside nisto, que para entrar nessa verdade, deve haver a aceitação prática da morte com Cristo no poder do Espírito de Deus, e essa é a última coisa que estamos naturalmente dispostos a fazer. Nós nos apegamos à crença de que podemos melhorar, educar ou regular a carne, e que é somente após repetidas lutas, cujo caráter é descrito em Romanos 7, que uma alma está sempre disposta a aceitar a libertação através da morte, isto é, morrer no sentido de sua própria alma, a fim de que tal indivíduo possa estar vivo para Deus.

A assim chamada santidade pela fidelidade é na verdade santidade sem morrer e portanto não é a coisa real; mas é aceito por muitos porque todos gostaríamos de santidade sem ter que aceitar a morte. Desejamos muito estimar as melhores coisas da carne e evitar a aplicação da morte a elas no poder do Espírito de Deus.

Peço ao leitor sinceramente que pondere sobre essas coisas, pois é pela não aceitação dessa verdade que o crescimento é frequentemente interrompido por anos, e também muitos na verdade nunca a aprendem.

Na Epístola aos Colossenses, outro passo a frente nos é mostrado, pois não estamos lá meramente vivos para Deus, mas "ressuscitados com Cristo" (Colossenses 3:1). A Epístola aos Efésios vai ainda mais longe e diz: "E nos ressuscitou juntamente com ele e nos fez assentar nos lugares celestiais, em Cristo Jesus" (Efésios 2:6-7). Não ainda "com" Cristo Jesus, mas "em" Cristo Jesus. Ou seja, Deus nos uniu a Ele pelo Espírito, Ele nos vê nEle, e onde Ele está, é o nosso lugar; pois estamos "nEle". Há uma bela ilustração disso em Josué 3 e 4. Doze pedras são colocadas no meio do Jordão onde os pés dos sacerdotes estavam, as águas do Jordão são jogadas sobre elas e são perdidas de vista para sempre. Essas doze pedras, uma para cada tribo, mostram como aos olhos de Deus o velho homem é crucificado, morto e sepultado com Cristo. Então outras doze pedras são retiradas do mesmo local e colocadas em Canaã para serem um memorial para os filhos de Israel para sempre, simbolizando assim a ressurreição com Cristo e o assentar-se em lugares celestiais (nosso verdadeiro Canaã) em Cristo, para mostrar nos séculos vindouros as abundantes riquezas da sua graça pela sua benignidade para conosco em Cristo Jesus (Efésios 2:6-7). Que verdades maravilhosas são essas; nosso antigo estado morreu judicialmente para sempre diante de Deus, e nós mesmos nos separamos pela morte e ressurreição do próprio lugar de condenação - daquele mundo ao qual pertencíamos - e fomos trazidos para uma nova esfera onde todas as coisas são novas, e todas as coisas são de Deus! No corpo, é claro, ainda estamos na velha criação, e, como tal, gememos em simpatia com uma criação que geme ao nosso redor (Romanos 8:23); mas que bênção é saber que, enquanto estamos no corpo, não somos do mundo, mas somos enviados ao mundo como Cristo também foi, para estar nele como Ele estava; porque, espiritualmente falando, tanto em obra como em verdade, estamos tão distantes do mundo quanto a morte e a ressurreição com Cristo podem nos fazer estar.

Que verdade maravilhosa e bendita é esta e, no entanto, tão pouco conhecida; e mesmo quando apresentadas pelos ensinadores os quais Deus levantou, quão poucos a aceitarão. Infelizmente, a razão para isso deve ser bem triste; tem sido bem dito que o perdão dos pecados nunca separou um homem do mundo, mas uma vez que a verdade da morte e ressurreição com Cristo seja realmente aceita, não apenas como mera doutrina, mas como uma realidade prática profunda, então não poderia deixar de separar, o que tem essa bênção, dos caminhos daquele mundo que crucificou o Senhor da glória. Ah! Lamentavelmente a separação dos caminhos do mundo, especialmente dos caminhos religiosos do mundo (e esses são mais odiosos para Deus do que qualquer outra coisa do mundo), é exatamente o que tão poucos estão dispostos a aceitar. Os "Abraões" são poucos, os "Lós" são muitos e é por isso que tão poucos conhecem e desfrutam das bênçãos e privilégios que verdadeiramente pertencem a todo Cristão. A ressurreição com Cristo só pode ser desfrutada na prática quando somos separados do mundo; ficando no mundo, não para desfrutar do mundo, mas para testemunhar contra ele de que suas obras são más (João 7:7); por isso está escrito: "Se vós fôsseis do mundo, o mundo amaria o que era seu, mas porque não sois do mundo, antes eu vos escolhi do mundo, por isso é que o mundo vos odeia" (João 15:19).

Leitor, lembre-se de que o mundo Cristão do século XX*, como é chamado, nada mais é senão o mundo, afinal, governado pela concupiscência dos olhos, pela concupiscência da carne e pela soberba da vida: e se você não estiver disposto a ser odiado por ele, tenha certeza de que você nunca, enquanto estiver na terra, desfrutará do poder da vida de ressurreição com Cristo. Que Deus conceda que você possa ver tanta beleza em Cristo que de bom grado você aceitará a ofensa da cruz por Sua causa, e poderá dizer com o Apóstolo "Mas longe esteja de mim gloriar-me, a não ser na cruz de nosso Senhor Jesus Cristo, pelo qual o mundo está crucificado para mim e eu para o mundo" (Gálatas 6:14). Você poderá ter que sofrer aqui embaixo, mas receberá cem vezes tanto já neste tempo, e a alegria de Cristo fará com que você se regozije com uma alegria indescritível e cheia de glória, mesmo neste mundo de tristeza.

*Nota do tradutor: este livro foi escrito no início do século XX. Quanto mais verdadeiro é este fato sobre este mundo neste século XXI!


Tradução do livro "What is a Christian?" de S.L. Jacob (1845-1911). Disponível em STEM Publishing: https://www.stempublishing.com/authors/Jacob/Jacob_What_is_Christian.html  Traduzido por André Boechat. andreestudosbiblicos.blogspot.com @andre_boechatfelipe