sexta-feira, 28 de agosto de 2020

O que é um Cristão? 7/12 Filiação, Vida e Vida Eterna (completo)

Filiação, Vida e Vida Eterna

Quando o filho pródigo estava caminhando com dificuldade de volta para casa, o pensamento em seu coração era: "Oh, se ao menos eu pudesse conseguir o lugar de um servo"; e de fato naturalmente a criatura poderia, mesmo não caída, nunca buscar nada mais alto do que ser serva do bom Deus e Criador. Que privilégio ser permitido poder servir a Deus como nosso Mestre, fazendo nossa obra sob Seu olhar vigilante e cuidado terno. Quão maravilhoso é então, que o coração de Deus não possa ser satisfeito sem dar aos Seus redimidos o lugar de filhos. Não é de se admirar que o Apóstolo exclama assim: "Vede quão grande amor nos tem concedido o Pai, que fôssemos chamados filhos de Deus. Por isso o mundo não nos conhece; porque não o conhece a ele" (I João 3:1). Quão pouco conhecemos o coração de Deus, quão pouco entramos em Seu deleite no Evangelho, quão pouco entendemos que o Evangelho não apenas atende às necessidades do homem, mas a necessidade que Deus tinha. Ele precisava de uma maneira de tornar conhecidas as riquezas de Seu amor e graça, e vendo que elas nunca poderiam ser exibidas pela criação, portanto Ele permitiu (não podemos dizer que Ele causou) a entrada do pecado, para que Seu coração pudesse ser plenamente manifestado no Homem Cristo Jesus e àqueles a quem predestinou para serem conformes à imagem de seu Filho, a fim de que ele seja o primogênito entre muitos irmãos (Romanos 8:29). E, oh! Quão bendito é este pensar, esses irmãos têm o direito de saber agora o que todo o mundo saberá no futuro, que o Pai os ama com o amor com que amou Seu Filho (João 17:23). Leitor, você sabe o que é ser um filho, não apenas um filho adotivo, mas um filho no sentido mais amplo da palavra? Muitos que conhecem um pouco do assunto, não vão além disto: que Deus nos adotou. Mas a palavra grega "huiothesia", que é traduzida como "adoção" (veja Romanos 8:15, Romanos 9:4, Gálatas 4:5, Efésios 1:5; esses são os únicos lugares nos quais a palavra é usada a não ser Romanos 8:23, no qual tem outro significado e se aplica à redenção do corpo) significa o pleno lugar e privilégio da filiação e não o significado da nossa palavra adoção. Quando falamos de adoção, queremos dizer de alguém que não é realmente um filho, ele não tem a natureza interior de seu pai adotivo. Mas nós, os que cremos, não somente somos nascidos de Deus, como está escrito: "Mas, a todos quantos o receberam, deu-lhes o poder de serem feitos filhos de Deus, aos que creem no seu nome; os quais não nasceram do sangue, nem da vontade da carne, nem da vontade do homem, mas de Deus" (João 1:12-13); mas também temos o Espírito Santo habitando em nós para dar-nos o sentido íntimo de relacionamento (Romanos 8:15-16; Gálatas 4:6-7), e para tornar-nos intimamente um com o Pai e o Filho (João 14:20).

Onde a palavra "teknon", uma "criança", é usada, a afeição que a criança recebe como o objeto do coração do Pai está mais em vista; enquanto que onde é usada a palavra "huios", um "filho" traz a ideia do pleno privilégio e honra da filiação e de ser um herdeiro. O Apóstolo Paulo  usa os dois termos, enquanto o apóstolo João usa o primeiro apenas, embora infelizmente em nossa tradução para o Inglês* as palavras "criança" e "filho" sejam frequentemente transpostas. Um dos grandes objetivos pelos quais o Senhor Jesus veio a esta terra foi revelar o Pai. Essa verdade é especialmente exposta no Evangelho de João; e, aparentemente, antes de deixar a cruz, o desejo de revelar o nome do Pai, da maneira que só poderia ser feita após Sua ressurreição, estava especialmente em Seu coração, pois está escrito (aparentemente sobre o pensamento de Cristo na cruz): "declararei o Teu nome (isto é, o nome do Pai) aos meus irmãos" (Salmo 22:22). Portanto, Sua primeira mensagem aos Seus discípulos quando Ele ressuscita dos mortos é: "vai para meus irmãos, e dize-lhes que eu subo para meu Pai e vosso Pai, meu Deus e vosso Deus" (João 20:17); mostrando-lhes assim que agora possuíam o mesmo relacionamento que Ele mesmo. Note, você nunca tem a expressão "Pai celestial" ou "Pai nosso que estás no céu", seja na Epístola de João ou nas Epístolas, mas somente nos Evangelhos de Mateus, Marcos e Lucas. Essa expressão se refere a um povo terreno olhando para Deus seu Pai no céu, e foi usado por Cristo para ver se o conhecimento de Deus como o Pai Celestial dele, produziria frutos do coração do homem, que tinha sido tão infiel debaixo da lei. Mas, como todos os outros remédios, isso não adiantaria. Cristo deveria morrer, nada mais iria ajudar o homem pecador. Portanto, Cristo morreu e ressuscitou e subiu às alturas, mas de agora em diante o povo de Deus é um povo celestial, porque Cristo está no céu, e Deus não é chamado de Pai Celestial, mas de nosso Deus e Pai, porque estamos em Espírito conectados com Ele no céu no lugar onde o Filho está.

*Nota do tradutor: do mesmo modo para o Português.

Gálatas 4:1-11 é claro em nos mostrar que o lugar de filho só poderia ser conhecido e desfrutado depois que a obra de Cristo tivesse sido terminada e o Espírito Santo tivesse vindo. Não é apenas o novo nascimento que é preciso, mas também a habitação do Espírito Santo para dar o gozo da filiação e, portanto, o lugar, o privilégio e a liberdade do lugar de filho não poderiam ser desfrutados antes do dia de Pentecostes, e procuramos em vão por isso no Antigo Testamento. Como, então, podemos tomar os Salmos como a expressão da adoração cristã apropriada, visto que eles expressam os sentimentos daqueles que estavam sob a lei e a servidão? (Embora, é claro, sejam declarações perfeitas sob essas circunstâncias). O Cristão, entretanto, não está sob a lei; ele tem a liberdade da filiação e, quando voluntariamente se coloca sob a lei, como (infelizmente!) é feito pela massa de cristãos de todas as seitas e denominações, ele entristece o Espírito e fere o coração do amoroso Pai. A lei é santa, justa e boa, e é perfeita como regra para o homem na carne, mas Cristo os redimiu, os que estavam debaixo da lei; e se nós agora, depois que Cristo ressuscitou, retornamos à lei, com suas regras, religião e ordenanças adequadas ao homem na carne, mas mostradas totalmente impotentes para ajudá-lo porque é ele um pecador incapaz de ser ajudado, nós voltamos para aquilo que a morte de Cristo colocou de lado e, assim, praticamente dizemos que Cristo morreu em vão (veja Gálatas 2:20). Toda a Epístola aos Gálatas está ligada a esse assunto, e quão severamente o Apóstolo trata desse grande pecado. Quão triste é então o estado atual da Cristandade, na qual a lei, a servidão e a distância são ensinadas como posição e experiência cristã apropriadas, e na qual a liberdade do lugar de filho é quase desconhecida. Leitor, você aceitará a liberdade de Deus ou, para agradar aos homens, se colocará sob o jugo dos mandamentos e tradições dos homens (veja Mateus 15:9), e assim permanecerá em servidão? Você não sairá de tudo o que é do homem para descansar totalmente na infinita sabedoria, amor e poder do Pai?

Apenas mais uma reflexão antes que o assunto seja encerrado, que é implorar ao leitor que tome cuidado com o pensamento maligno que agora é tão predominante, a saber: a assim chamada paternidade universal de Deus. O apóstolo João diz que o mundo nem mesmo conhece os filhos de Deus (I João 3:1); fala também dos filhos de Deus e dos filhos do diabo (I João 3:8-10), mostrando claramente que nada conhece desta paternidade universal. O Senhor Jesus diz a mesma coisa (veja João 8:44). Na verdade, a paternidade universal de Deus transtorna completamente toda a verdade da missão e obra de Cristo, pois somos muito claramente ensinados que Ele veio para nos redimir (para fora) do mundo (João 17:6; Gálatas 1:4). Leitor, tenha cuidado para não ser levado por uma doutrina tão má que desonra terrivelmente a verdade de Deus, tendo nessa doutrina alguma verdade (veja Atos 17:29) suficiente para tornar seu veneno muito mortal.


Com a questão de ser um filho de Deus e conhecer a Deus como Pai, a verdade da vida eterna está intimamente conectada, pois a presente vida eterna é o conhecimento do Pai no Filho, como está escrito: "Assim como lhe deste poder sobre toda a carne, para que dê a vida eterna a todos quantos lhe deste. E a vida eterna é esta: que te conheçam, a ti só, por único Deus verdadeiro, e a Jesus Cristo, a quem enviaste" (João 17:2-3). Os santos do Antigo Testamento nasceram de Deus, mas a vida e a incorruptibilidade só foram trazidas à luz pelo Evangelho (II Timóteo 1:10). Foi somente com a aparição do Filho que o poder e o caráter da vida que vem de Deus se tornaram conhecidos. O Senhor disse: "eu vim para que tenham vida, e a tenham com abundância" (João 10:10). Essa vida mais abundante é evidentemente vida eterna. É apenas o Apóstolo João que traz a verdade da presente vida eterna, em outras partes das Escrituras, ela é esperada para o futuro (como Romanos 6:22); embora encontremos bastantes referências nas Epístolas do Apóstolo Paulo sobre a vida como uma coisa presente.

Vida nas Escrituras nunca significa mera existência, mas sempre implica saúde, força e alegria, assim como a palavra, às vezes, é usada por aqueles em circunstâncias deprimentes, quando dizem: "Nós não vivemos, nós sobrevivemos*" (veja João 4:50-53; I Tessalonicenses 3:8); e o mero sobreviver espiritual, como é visto no homem em Romanos 7, não é, portanto, chamado de vida espiritual. A vida é encontrada no capítulo oitavo, no qual está escrito: "O Espírito é vida, por causa da justiça". Ninguém pode dizer que tem vida nesse sentido a menos que tenha o Espírito, embora uma obra de Deus possivelmente tenha começado em sua alma e, se assim for, ele nunca estará perdido.

Além disso, mesmo que o Espírito seja vida, nós, ao pensar na vida, não devemos olhar para dentro, mas para Cristo, como está escrito: "Portanto, se já ressuscitastes com Cristo, buscai as coisas que são de cima, onde Cristo está assentado à destra de Deus. Pensai nas coisas que são de cima, e não nas que são da terra; Porque já estais mortos, e a vossa vida está escondida com Cristo em Deus. Quando Cristo, que é a nossa vida, se manifestar, então também vós vos manifestareis com ele em glória" (Colossenses 3:1-4).

A ideia aqui quanto à nossa vida não é a sua segurança, embora, é claro, estejamos seguros, mas onde e em quem ela está, a saber: em Cristo no céu. A esfera da nossa vida não é a terra, mas o céu, e todas as fontes, força e prazer vêm de lá, embora, quanto aos nossos corpos, estejamos na terra como peregrinos e estranhos.

Então, em Gálatas 2:20 o Apóstolo Paulo diz: "Já estou crucificado com Cristo; e vivo, não mais eu, mas Cristo vive em mim; e a vida que agora vivo na carne, vivo-a pela fé do Filho de Deus, o qual me amou, e se entregou a si mesmo por mim". Aqui Cristo vive nele, mas evidentemente toda a Epístola mostra que ele não está ocupado com Cristo em seu interior, mas com Cristo na glória.

Ninguém pode realmente tomar para si as palavras do apóstolo até que ele também tenha aceitado a morte com Cristo em sua própria alma como sua porção aqui, e esteja contente em ter sua fonte de vida originada da glória em vez da terra, como costumava fazer.

*Nota do tradutor: Ou quando falamos que estamos "apenas respirando" ou no sentido de estar "desperdiçando a vida" dizemos: "isso não é viver", "isso não é vida".

A vida eterna é comumente imaginada ser a segurança eterna, ou seja, é feita equivalente à expressão "nunca perecer", enquanto que significa infinitamente mais. Sem dúvida, inclui a segurança eterna, mas reduzir seu significado a isso é rebaixar miseravelmente o que Deus considera sobre o assunto.

A vida eterna leva nossos pensamentos de volta quando o Filho estava sozinho com o Pai antes de toda a criação, e é manifesta no Filho de Deus feito carne (I João 1:1-4).

Nada relacionado com a vida eterna é temporário; muito foi feito por nosso bendito Senhor em infinita graça para nossa redenção, e tudo o que Ele fez foi, é claro, sempre perfeito, mas vida eterna está conectada com a vida que Ele tinha com o Pai antes que o mundo existisse e que Ele manifestou aqui de acordo com os escritos do Apóstolo João. Ele morreu, ressuscitou, foi ao Pai e enviou o Espírito Santo para que pudéssemos ter e conhecer a vida eterna como uma possessão presente (João 17:1-3; I João 5:13). Enquanto que em todos os outros escritos a vida eterna é vista como futura, nos escritos de João ela é mostrada como uma possessão presente a ser conhecida e desfrutada agora.  A vida eterna está no Filho (não em Cristo, embora o Filho e Cristo sejam a mesma pessoa, mas as Escrituras distinguem cuidadosamente a relação eterna do Filho do título oficial de Cristo), e se podemos usar uma linguagem muito caseira sem perder a reverência, pode-se dizer que a vida eterna é para nós a vida familiar do Pai e do Filho e que agora é nossa, visto que somos filhos do Pai, e essa vida familiar agora pode ser conhecida e desfrutada como uma bênção presente pelo poder do Espírito de Deus. Essa vida está necessariamente fora das coisas temporais e dos sentidos, a comunhão do Pai e do Filho é tudo em tudo ali. Deve ser experimentada para ser conhecida, nenhuma explicação transmitirá qualquer significado para a alma que não teve um vislumbre disso por si mesma.

Não é possível, nesta curta bússola, dar mais explicações sobre o assunto. Eu só posso pedir encarecidamente ao meu leitor que estude e ore de forma série sobre os escritos de João, especialmente os capítulos 14 a 17 do Evangelho e a primeira Epístola. Será uma alegria indescritível ter um vislumbre do que é estar com o Filho no lugar em que Ele está, e ter o Pai e o Filho fazendo morada dentro si. Veja João 12:26, ​​João 13:8, João 14:3 (não relegue tudo o que está aqui para o futuro, pois, embora seja realmente assim, certamente tem uma aplicação presente) e João 14:23.

Mas não cometa o erro de pensar de porque você conhece que está seguro eternamente, que você conhece o que é ter a vida eterna. Muitos conhecem sua segurança eterna, mas não têm menor ideia da maravilhosa bênção chamada vida eterna, mas porque pensam que a vida eterna significa nada mais do que segurança eterna, eles não são exercitam mais sobre o assunto e talvez passem toda sua vida sem ter a menor apreensão da maravilhosa alegria que existe no atual conhecer da vida eterna.

Que Deus exercite seu coração sobre isso, meu leitor, e que você encontre a plenitude da alegria que há na vida eterna.


Tradução do livro "What is a Christian?" de S.L. Jacob (1845-1911). Disponível em STEM Publishing: https://www.stempublishing.com/authors/Jacob/Jacob_What_is_Christian.html  Traduzido por André Boechat. andreestudosbiblicos.blogspot.com @andre_boechatfelipe